terça-feira, 16 de março de 2010

1964, o ano que não terminou…

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1964, o ano que não terminou… (Parte 1)

16 de Março de 2010

Confiram a primeira parte do artigo “1964, o ano que não terminou’, de
Paulo Arantes, texto que integrará a coletânea O quê resta da ditadura – a
exceção brasileira (de Edson Teles e Vladimir Safatle), a ser lançado
nesta quinta-feira (18/03) na USP. Por Paulo Arantes.

Conforme já noticiamos aqui, nesta quinta-feira (18/03) ocorrerá
o lançamento do livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira [Edson
Teles e Vladimir Safatle (orgs), Boitempo Editorial, SP, 2010]. Os debates
deste dia estão sendo chamados para o Auditório da Faculdade de História
da USP, e se darão em torno de dois temas centrais: às 17hs, “Por que a
verdade precisa de uma comissão?”, com o autor Edson Teles, o jurista
Fábio Konder Comparato e a cientista política Glenda Mezarobba; e às
19h30, o tema “Políticas da verdade e da memória”, com ministro Paulo
Vanucchi, o autor Vladimir Safatle e o professor de história da filosofia
Paulo Arantes.

Em nossa opinião, tais debates e a própria publicação será uma importante
oportunidade para a esquerda retomar dois temas fundamentais que ela não
deveria nunca ter deixado de ter em vista criticamente: a verdadeira
profundidade do golpe civil-militar brasileiro de 1964, bem como a
possível extensão de um verdadeiro estado de sítio permanente mesmo após a
chamada “redemocratização”.

Esta é a temática desenvolvida pelo professor de história da filosofia da
USP e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Paulo Eduardo
Arantes, no ensaio intitulado “1964, o ano que não terminou…”. O Passa
Palavra publica a partir de hoje a primeira parte deste artigo, que
constará na coletânea de Edson Teles e Vladimir Safatle acima referida. Na
semana que vem, depois de lançado o livro, poderemos publicar o restante
do artigo para dar continuidade à reflexão.

1964, O ANO QUE NÃO TERMINOU… [*]

Paulo Eduardo Arantes

1.

Tudo somado, o que resta afinal da Ditadura? Na resposta francamente
atravessada do psicanalista Tales Ab’Sáber, simplesmente tudo. Tudo menos
a Ditadura, é claro. [1] Demasia retórica? Erro crasso de visão histórica?
Poderia até ser, tudo isto e muito mais. Porém nem tanto. Pelo menos a
julgar pelo último lapso, ou melhor, tropeço deliberado, mal disfarçado
recado a quem interessar possa: refiro-me ao editorial da Folha de São
Paulo, de 17 de fevereiro de 2009, o tal da “ditabranda”. Não é tão
simples assim atinar com as razões daquele escorregão com cara de
pronunciamento preventivo, sobretudo por ser mais do que previsível que o
incidente despertaria a curiosidade pelo passado colaboracionista do
jornal, tão incontroversamente documentado que as pessoas esqueceram, até
mesmo da composição civil e militar daquele bloco histórico da crueldade
social que se abateu sobre o país em 1964. E como atesta o indigitado
editorial, aunque el diabo esté dormido, a lo mejor se despierta. Quanto à
descarada alegação de brandura: só nos primeiro meses de comedimento foram
50.000 presos. [2] Em julho de 1964, “os cárceres já gritavam”. [3]

O fato é que ainda não acusamos suficientemente o Golpe. Pelo
menos não o acusamos na sua medida certa, a presença continuada de uma
ruptura irreversível de época. Acabamos de evocar a brasa dormida de um
passo histórico, os vasos comunicantes que se instalam desde a primeira
hora entre o mundo dos negócios e os subterrâneos da repressão. Quando o
então ministro Delfim Netto organiza um almoço de banqueiros no palacete
do Clube São Paulo, antiga residência de Da. Viridiana Prado, durante o
qual o dono do Banco Mercantil passou o chapéu, recebendo em média 110 mil
dólares per capita para reforçar o caixa da OBAN. Não se trata de uma
vaquinha, por assim dizer, lógica, inerente aos trâmites da acumulação em
um momento de transe nacional, em que os operadores de turno puxam pela
corda patriótica de empresários que por sua vez estão pedindo para se
deixar amedrontar. [4] Esperteza ou não — afinal a Ditadura detinha todas
as chaves do cofre —, o fato é que se transpôs um limiar ao se trazer
assim, pelas mãos de um Ministro de Estado, os donos do dinheiro para o
reino clandestino da sala de tortura: este o passo histórico que uma vez
dado não admite mais retorno, assim como não se pode desinventar as armas
nucleares que tornaram a humanidade potencialmente redundante. Ruptura ou
conseqüência? Questão menor, diante da metástase do poder punitivo que
principiara a moldar a Exceção Brasileira que então madrugava.

Francisco Campos costumava dizer que governar é mandar prender.
Para encurtar, digamos que a partir de 1935, com a intensificação da caça
aos comunistas e demais desviantes, essa escola de governo incorporou o
alicate do Dr. Filinto Müller e seus derivados. Já a deportação de Olga
Benário discrepa do período anterior — no qual predominava a figura do
anarquista expatriado — antecipando os seqüestros da Operação Condor.
Todavia, um caso ainda muito especial, como se sabe. Até mesmo as cadeias
em que se apodrecia até à morte — como a colônia correcional de Ilha
Grande, que, a um Graciliano Ramos atônito, foi apresentada como um lugar
no qual se ingressa, não para ser corrigido, mas para morrer — tampouco
anuncia uma Casa da Morte, como a de Petrópolis e similares espalhadas
pelo país e Cone Sul. Basta o enunciado macabro das analogias para se ter
a visão histórica direta da abissal diferença de época. [5] O calafrio de
Graciliano, ao se deparar com um espaço onde “não há direito, nenhum
direito” — como é solenemente informado por seu carcereiro — ainda é o de
um preso político ocasional ao se defrontar (em pé de igualdade?) com o
limbo jurídico em que vegetam apagados seus colegas “de direito comum”.
Como se sabe, aquela situação se reapresentaria menos de 40 anos depois.
Como a Ditadura precisava ocultar a existência de presos políticos, os
sobreviventes eram formalmente condenados como assaltantes de banco e,
como tal, submetidos ao mesmo vácuo jurídico da ralé carcerária, exilada
nesses lugares por assim dizer fora da Constituição. Mas já não se tratava
mais do mesmo encontro de classe face ao “nenhum direito”, ou desencontro
histórico, como sugere o filme de Lúcia Murat Quase dois irmãos.

O corte de 64 mudaria de vez a lógica da exceção, tanto no
hemisfério da ordem política quanto dos ilegalismos do povo miúdo e
descartável. O Golpe avançara o derradeiro sinal com a entrada em cena de
uma nova “fúria” — para nos atermos ao mais espantoso de tudo, embora não
se possa graduar a escala do horror: a entrada em cena do “poder
desaparecedor”, na fórmula não sei se original de Pilar Calveiro. [6]
Depois de mandar prender, mandar desaparecer como política de Estado, e
tudo que isso exigia: esquadrões, casas e vôos da morte. Essa nova figura
— o desaparecimento forçado de pessoas — desnorteou os primeiros
observadores. A rigor, até hoje. Ainda no início dos anos 80, um Paul
Virilio perplexo se referia às ditaduras do Cone Sul como o laboratório de
um novo tipo de sociedade, a “sociedade do desaparecimento”, onde os
corpos agora, além do mais — e sabemos tudo o que este “mais” significa —,
precisam desaparecer, quem sabe, o efeito paradoxal do estado de
hiper-exposição em que se passava a viver. [7]

Digamos que ao torná-lo permanente, exercendo-o durante 20 anos, nem mesmo
os principais operadores do regime se deram conta de que o velho estado de
sítio concebido pela ansiedade ditatorial dos liberais, ao fim e ao cabo
já não era mais o mesmo. Aliás, desde o início, a exceção se instalara
noutra dimensão, verdadeiramente inédita e moderna, a partir do momento em
que “o corpo passa a ser algo fundamental para a ação do regime” e a
câmara de tortura se configura “como a exceção política originária na qual
a vida exposta ao terrorismo de Estado vem a ser incluída no ordenamento
social e político”, na redescrição dos vínculos nada triviais entre
ditadura e exceção retomada ultimamente por Edson Teles, confrontado com o
acintoso recrudescimento do poder punitivo na democracia parida, ou
abortada, pela Ditadura. [8] A seu ver, a Ditadura por assim dizer
localizou o topos indecidível da exceção, a um tempo dentro e fora do
ordenamento jurídico, tanto na sala de tortura quanto no desaparecimento
forçado, marcado também, este último, por uma espécie de não-lugar
absoluto. Estes os dois pilares de uma sociedade do desaparecimento. A Era
da Impunidade que irrompeu desde então pode ser uma evidência de que esta
tecnologia de poder e governo também não pode mais ser desinventada. Seja
como for, algo se rompeu para sempre quando a brutalidade rotineira da
dominação, pontuada pela compulsão da caserna, foi repentinamente
substituída pelo Terror de um Estado delinqüente de proporções inauditas.
A tal ponto que até Hobsbawm parece não saber direito em qual dos extremos
do seu breve século XX incluir este último círculo latino-americano de
carnificinas políticas, no qual não hesitou em reconhecer a “era mais
sombria de tortura e contra-terror da história do Ocidente”. [9]

Outro disparate? Desta vez cometido pela velha esquerda em
pessoa? Não seja por isto. À luz dos seus próprios critérios
civilizacionais, um padrão evolutivo foi irrecuperavelmente quebrado pelas
elites condominiadas em 1964. Mesmo para padrões brasileiros de
civilização, pode-se dizer que a Ditadura abriu as portas para uma
reversão na qual Norbert Elias poderia quem sabe identificar o que chamou
por vezes de verdadeiro processo descivilizador. Segundo o historiador
Luiz Felipe de Alencastro, um tal padrão, herdado do despotismo
esclarecido pombalino, pressupunha algo como o espraiamento, prudentemente
progressivo, dos melhoramentos e franquias da vida moderna, a princípio
reservados à burocracia estatal e às oligarquias concernidas, ao conjunto
das populações inorgânicas a serem assim “civilizadas” pela sua elite.
Pois até este processo civilizador não previsto por Norbert Elias — o
monopólio da violência pacificadora são outros quinhentos nessas paragens
— deu marcha a ré, ou se preferirmos, engendrou “um monstrengo nunca
visto”. [10] Pensando bem, menos reversão do que consumação desse mesmo
processo de difusão das Luzes, como vaticina a profecia maligna de
Porfírio Diaz, no final de Terra em Transe: “Aprenderão, aprenderão, hei
de fazer deste lugar uma Civilização, pela força, pelo amor da força, pela
harmonia universal dos infernos”. Segundo o mesmo Luis Felipe, havia
paradoxalmente algo de “revolucionário” naquela ultrapassagem bárbara de
si mesmo. À vista portanto não só daquele lapso editorial e de uma dúzia
de outros pronunciamentos de mesmo quilate, pode-se dizer que os objetivos
de guerra da Ditadura foram plenamente alcançados, diante do quê, entrou
em recesso. A Abertura foi na verdade uma contenção continuada. Acresce
que além de abrandada, a Ditadura começou também a encolher. Pelas novas
lentes revisionistas, a dita cuja só teria sido deflagrada para valer em
dezembro de 1968, com o AI-5 — retardada, ao que parece, por motivo de
“efervescência” cultural tolerada — e encerrada precocemente em agosto de
1979, graças à auto-absolvição dos implicados em toda a cadeia de comando
da matança. [11] O que vem por aí? Negacionismo à brasileira? Quem sabe
alguma variante local do esquema tortuoso de Ernst Nolte, que desencadeou
o debate dos historiadores alemães nos anos 80 acerca dos Campos da Morte.
Por essa via, a paranóia exterminista da Ditadura ainda será
reinterpretada como o efeito do pânico preventivo disparado pela marcha
apavorante de um Gulag vindo em nossa direção. Não é elocubração ociosa: a
doutrina argentina dos “dois demônios”, por exemplo, que se consolidou no
período Alfonsin, passou por perto. [12]

Vítimas da polícia na democracia

Nessas condições, pode-se até entender o juízo aparentemente descalibrado
de Tales Ab’Sáber como uma espécie de contraveneno premonitório, e que
tenha, assim, estendido até onde a vista alcança a fratura histórica na
origem do novo tempo brasileiro, cuja unidade de medida viria a ser 1964,
o verdadeiro ano que de fato não terminou. Um tempo morto, esse em que a
Ditadura não acaba nunca de passar. É assim que Tales interpreta a agonia
do poeta, jornalista e conselheiro político Paulo Martins, que emenda o
fecho na abertura de Terra em transe: uma “queda infinita do personagem no
branco e no vazio final que nunca acaba”. O mundo começou a cair no Brasil
em 1964 e continuou “caindo para sempre”, salvo para quem se iludiu
enquanto despencava. [13] Será preciso alertar logo de saída? Como nunca
se sabe até onde a cegueira chegou, não custa repetir: está claro que tudo
já passou, que nossa terra não está mais em “transe”, por mais estranha
(quase na acepção freudiana do termo) que pareça a normalidade de hoje.
Ainda segundo Tales, tão estranha quanto a fantasia neurotizante que nos
governa, a saber: ora é fato que a guerra acabou como assegura a lei
celerada da anistia, ora não acabou nem nunca acabará, pois é preciso
derrotar de novo e sempre o ressentimento histórico dos vencidos, para não
mencionar ainda as demais figurações do inimigo, no limite, a própria
nação, que precisa ser protegida contra si mesma. [14] A guerra acabou, a
guerra não acabou: tanto faz, como no caso da chaleira de Freud, de
qualquer modo devolvida com o enorme buraco que a referida fantasia nem
mesmo cuida de encobrir. O que importa é que um pólo remeta ao outro,
configurando o que se poderia chamar de limiar permanente, sobre o qual
pairam tutela e ameaça intercambiáveis.

Minha reconstituição da paradoxal certeza histórica de um psicanalista
talvez pareça menos arbitrária recorrendo ao raciocínio do historiador
Paulo Cunha acerca do contraponto entre Moderação e Aniquilamento, que
percorre a formação da nacionalidade desde os seus primórdios. [15] A
guerra acabou, quer dizer (deve entrar de uma vez na cabeça dos
recalcitrantes): violações zeradas (na lei ou na marra), reconciliação
consolidada (novamente consentida ou extorquida). Mas a guerra não acabou,
de novo que se entenda: é preciso anular a vontade do inimigo de continuar
na guerra, e anular até o seu colapso. Clausewitz dixit. Pois bem:
historicamente, Moderação é a senha de admissão ao círculo do poder real,
cujo conservadorismo de nascença — progresso, modernização, etc, são
melhoramentos inerentes, porém intermitentes, ao núcleo material do mando
proprietário — exige provas irretorquíveis de confiabilidade absoluta dos
que batem à sua porta. Assim, sempre que as elites de turno de
reconciliam, uma lei não escrita espera dos pactários – na acepção
política rosiana do termo [16] — demonstrações inequívocas de convicções
moderadas. Para que não haja dúvida do alcance deste pacto fundador, basta
um olhar de relance para as patéticas contorções dos dois últimos
presidentes do país. Em suma, refratários de qualquer procedência serão
recusados. Novamente para que não haja dúvidas: aos eventuais
sobreviventes de tendências contrárias à
Moderação/Conciliação/
Consolidação das Instituições etc, acena-se com o
espectro do supracitado Aniquilamento, cuja eventualidade estratégica
sempre paira no ar, que o digam a Guerra de Canudos e a Guerrilha do
Araguaia. Também por este prisma não se pode dizer sem mais que a fantasia
de Tales não seja exata.

O ENSAIO ESTÁ PUBLICADO INTEGRALMENTE NA COLETÂNEA O QUE RESTA DA
DITADURA: A EXCEÇÃO BRASILEIRA [Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs),
Boitempo Editorial, 2010, NO PRELO]. DEPOIS DE SEU LANÇAMENTO OFICIAL,
COMPARTILHAREMOS AQUI SUA VERSÃO NA ÍNTEGRA.

NOTAS DE RODA-PÉ

[*] Mesmo correndo o risco de double emploi, achei que viria ao caso
lastrear minha resposta à pergunta O que resta da Ditadura? com material
colhido na contribuição de autores reunidos no presente volume.

[1] “Brasil, a ausência significante política”, neste volume.

[2] No levantamento de Maria Helena Moreira Alves, Estado e oposição no
Brasil (1964-1984) (Petrópolis: Vozes, 1985). Ver ainda Martha Huggins,
Polícia e política (São Paulo: Cortez 1998; ed. inglesa, 1988) e Janaina
Almeida Teles, Os herdeiros da memória: a luta dos familiares de mortos e
desaparecidos políticos no Brasil (USP FFLCH: 2005).

[3] Ver o capítulo de Elio Gaspari, “O mito do fragor da hora”, A ditadura
envergonhada (São Paulo: Cia. das Letras, 2002). Segundo o autor, desde o
começo do governo Castelo Branco, a tortura já era “o molho dos
inquéritos”. Martha Huggins também identifica nos primeiros arrastões
puxados pelo Golpe a evidente metamorfose da “polícia política”. Cf.
op.cit. cap.7.

[4] Ver Elio Gaspari, A ditadura escancarada (São Paulo: Cia. da Letras,
2002, pp. 62-64). Para um estudo da normalização da patologia empresarial
do período, o documentadíssimo filme de Chaim Litewski, Cidadão Boilesen,
apresentado em março de 2009 na mostra É tudo verdade.

[5] Episódio das Memórias do Cárcere, recentemente evocado por Fábio
Konder Comparato, no Prefácio à segunda edição do Dossiê Ditadura: mortos
e desaparecidos políticos no Brasil, 1964-1985 (São Paulo: IEVE/Imprensa
Oficial, 2009).

[6] Poder y desaparición: los campos de concentración en Argentina (Buenos
Aires: Colihue, 1998). Sua autora, Pilar Calveiro, “ficou desaparecida” –
a expressão é essa mesma – durante um ano e meio em vários campos da morte
na Argentina. Para um breve comentário, Beatriz Sarlo, Tempo passado:
cultura da memória e guinada subjetiva (São Paulo: Cia. das Letras, 2007,
pp. 80-89).

[7] Paul Virilio, Sylvere Lotringer, Guerra pura: a militarização do
cotidiano (São Paulo: Brasiliense, 1984, pp. 85-87).

[8] Edson Luis de Almeida Teles, Brasil e África do Sul: os paradoxos da
democracia (São Paulo: USP FFLCH, 2006, cap.2).

[9] Eric Hobsbawm, A era dos extremos (São Paulo: Cia. das Letras, 1995,
p.433).

[10] Luis Felipe de Alencastro, “1964: por quem dobram os sinos?”,
publicado originalmente na FSP, 20.05.94, incluído no livro organizado por
Janaina Teles, Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade?
(São Paulo: Humanitas, 2ª ed. 2001). Para o argumento original, do mesmo
autor, “O fardo dos bacharéis” (Novos Estudos, CEBRAP, nº19, 1987).

[11] Marco Antonio Villa, “Ditadura à brasileira”, FSP, 05.03.2009, p.A-3.
Sem dúvida, a História é o inventário das diferenças, como queria Paul
Veyne, porém na mesma medida em que souber reconhecer o Mesmo no Outro.
Sem o quê, sequer saberemos quem somos ao despertar. Mas talvez seja este
mesmo o Desejo do qual os lacanianos insistem que uma sociedade derrotada
como a nossa cedeu. A sintaxe pode ser arrevesada, mas o juízo não. Cf.
por exemplo, Maria Rita Kehl, O tempo e o cão: a atualidade das depressões
(São Paulo: Boitempo, 2009).

[12] Ver a respeito, Luis Roniger e Mario Sznajder, O legado das violações
dos direitos humanos no Cone Sul (São Paulo: Perspectiva, 2004, pp.
278-281).

[13] A verdadeira desordem no tempo brasileiro provocada pelo buraco negro
de 1964 me parece constituir o nervo das reflexões de Ismail Xavier acerca
da constelação formada por Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal.
Cf. por exemplo Alegorias do subdesenvolvimento (São Paulo: Brasiliense,
1993). Com sorte, espero rever essa mesma desordem brasileira do tempo
pelo prisma da Exceção. Por enquanto, apenas uma Introdução. Um outro
ponto cego decorrente desta mesma matriz, me parece contaminar a
expectativa de que a Ditadura terminará enfim de passar quando o último
carrasco for julgado. Fica também para um outro passo este pressentimento
gêmeo acerca das ciladas do imperativo Nunca Mais que a Ditadura nos
impôs. Para um sinal de que não estou inventando um falso problema,
veja-se as observações de Jeanne Marie Gagnebin acerca da famosa
reformulação adorniana do imperativo categórico – direcionar agir e pensar
de tal forma que Auschwitz não se repita. Curioso imperativo moral,
nascido da violência histórica e não de uma escolha livre. Cf. “O que
significa elaborar o passado”, Lembrar escrever esquecer (São Paulo: ed.
34, 2006, pp.99-100). Pensando numa lista longa que continua se alongando,
de Srebrenica a Jenin, arremata Jeanne Marie, fica difícil evitar o
sentimento de que o novo imperativo categórico não foi cumprido, enquanto
“as ruínas continuam crescendo até o céu”.

[14] Conforme advertência recente do Gal. Luiz Cesário da Silveira Filho,
despedindo-se do Comando Militar do Leste com um discurso exaltando o
golpe, ao qual se referiu como “memorável acontecimento”. Com efeito. FSP
12.03.2009, p.A-9.

[15] Paulo Ribeiro da Cunha, “Militares e anistia no Brasil: um dueto
desarmônico”, neste volume.

[16] Da perspectiva em que Willi Bolle estudou o Grande Sertão: Veredas –
as metamorfoses do sistema jagunço como um regime de exceção permanente –
as Constituições do país sempre foram antes de tudo um Pacto, não sendo
muito difícil adivinhar quem leva a parte do diabo. Cf. Willi Bolle,
Grandesertão.br (São Paulo: ed. 34, 2004)

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