quarta-feira, 24 de março de 2010

1964, o ano que não terminou… [2]

Como entender a persistência desse verdadeiro Golpe de Estado Permanente cuja máquina de matar continua a todo vapor mesmo depois da guerrilha ter sido militarmente anulada? Por Paulo Arantes

[A primeira parte deste artigo pode ser lida aqui

http://passapalavra.info/?p=20710
2.
Mas pensando bem, a enormidade de nosso psicanalista é quase uma evidência. Como a bem dizer está na cara, ninguém vê. Basta no entanto olhar para o Estado e a sua Constituição, por ela mesmo definido em 1988 como sendo Democrático e de Direito. O que poderia então restar da Ditadura? Nada, absolutamente nada, respondem em coro, entre tantas outras massas corais de contentamento, nossos cientistas políticos: depois do período épico de remoção do chamado entulho autoritário, passamos com sucesso ainda maior à consolidação de nossas instituições democráticas — entre elas a grande propriedade da terra e dos meios de comunicação de massa: quem jamais se atreveria a sequer tocar no escândalo desta última instituição? —, que de tão fortalecidas estão cada vez mais parecidas f_ditadura21com um bunker. Na intenção dos mais jovens e desmemoriados em geral, um trecho bem raso de crônica: o bloco civil-militar operante desde 1964 arrematou o conjunto da obra inaugurando a Nova República com um golpe de veludo, afastando Ulisses Guimarães da linha sucessória de Tancredo, o qual, por sua vez, havia negociado com os militares sua homologação pelo Colégio Eleitoral, de resto, legitimado pela dramaturgia cívica das Diretas. Neste passo chegamos à próxima anomalia institucional, um Congresso ordinário com poderes constituintes. Assim sendo, poderemos ser mais específicos na pergunta de fundo: O que resta da ditadura na inovadora Constituição dita Cidadã de 1988? Na opinião de um especialista em instituições coercitivas, Jorge Zaverucha, pelo menos no que se refere às cláusulas relacionadas com as Forças Armadas, Polícias Militares e Segurança Pública — convenhamos que não é pouca coisa —, a Carta outorgada pela Ditadura em 1967, bem como sua emenda de 1969, simplesmente continua em vigor. Simples assim. [17]
Porém suas conclusões não são menos dissonantes do que as repertoriadas até agora. A começar pela mais chocante de todas (se é que este efeito político ainda existe), a constitucionalização do golpe de estado, desde que liderado pelas Forças Armadas, que passaram a deter o poder soberano de se colocar legalmente fora da lei. Passado o transe da verdadeira transição para o novo tempo que foi o regime de 64, este saiu de cena, convertendo sua exceção em norma. Tampouco o poder de polícia conferido às Forças Armadas precisou esperar por um decreto sancionador de FHC em 2001. Desde 1988 estava consagrada a militarização da Segurança Pública. A Constituição já foi emendada mais de sessenta vezes. Em suma, trivializou-se. Acresce que este furor legislativo e constituinte emana de um executivo ampliado e de fronteiras nebulosas, governando rotineiramente com medidas provisórias com força de lei. Como além do mais, o artigo 142 entregou às Forças Armadas a garantia da Lei e da Ordem, compreende-se o diagnóstico fechado por nosso autor: sem dúvida, “há no Brasil lei (rule by law), mas não um Estado de Direito (rule of law)”. Num artigo escrito no auge da desconstitucionalização selvagem patrocinada pelo governo FHC, o jurista Dalmo Dallari assegurava que na melhor das hipóteses estaríamos vivendo num Estado de mera Legalidade Formal, na pior, retomando o rumo das Ditaduras constitucionais. [18]
f_ditadura26A esta altura já não será demais recordar que a expressão Ditadura Constitucional — revista do ângulo da longa duração do governo capitalista do mundo — foi empregada pela primeira vez por juristas alemães para assinalar os poderes excepcionais concedidos ao presidente do Reich pelo artigo 48 da Constituição de Weimar [19] . Desde então, a favor ou contra, tornou-se uma senha jurídica abrindo passagem para o que se poderia chamar de Era da Exceção, que se inaugurava na Europa como paradigma de governo diante do desmoronamento das democracias liberais, desidratadas pela virada fascista das burguesias nacionais que lhes sustentavam a fachada. Resta saber se uma tal Era da Exceção se encerrou com a derrota militar do fascismo. Ocorre que três anos depois de 1945, mal deflagrada a Guerra Fria, já se especulava, a propósito da emergência nuclear no horizonte do conflito — para muitos um novo capítulo da Guerra Civil Mundial, iniciada em 1917 — se não seria o caso de administrar, formal e legalmente, como se acabou de dizer, um tal estado de emergência permanente mediante uma Ditadura Constitucional. Na recomendação patética de Clinton Rossiter, um capítulo clássico na matéria: “nenhum sacrifício pela nossa democracia é demasiado grande, menos ainda o sacrifício temporário da própria democracia” [20]. Como a Bomba não veio ao mundo a passeio nem para uma curta temporada, sendo além do mais puro nonsense a idéia de um controle democrático de sua estocagem e emprego, sem falar na metástase da proliferação nuclear, não haverá demasia em sustentar a idéia de que sociedades disciplinadas pelo temor de um tal acidente absoluto passaram a viver literalmente em estado de sítio, não importa qual emergência o poder soberano de turno decida ser o caso.
Voltando à linha evolutiva traçada por Agamben: aquele deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo, baseado na indistinção crescente entre legislativo, judiciário e executivo, transpôs afinal um patamar de indeterminação entre democracia e soberania absoluta — o que acima se queria dizer evocando a terra de ninguém em que ingressamos entre Legalidade Formal e Estado de Direito. Não surpreende então que, à vista do destino das instituições coercitivas descritas há pouco e do histórico de violações que vêm acumulando no período de normalização pós-ditatorial, alguns observadores da cena latino-americana falem abertamente da vigência de um Não-Estado de Direito numa região justamente reconstitucionalizada, notando que a anomalia ainda é mais acintosa por ser esse o regime sob o qual se vira — é bem esse o termo — a massa majoritária dos chamados underprivileged [21] . Não-direito igualmente para o topo oligárquico? No limite, a formulação não faz muito sentido: como Franz Neumann demonstrou em sua análise da economia política do IIIº Reich, o grande capital pode dispensar inteiramente as formalidades da f_ditadura27racionalidade jurídica idealizada por Max Weber [22]. Olhando todavia a um só tempo para a base e o vértice da pirâmide, seria mais apropriado registrar a cristalização de um Estado Oligárquico de Direito [23]. Porém assim especificado: um regime jurídico-político caracterizado pela ampla latitude liberal-constitucional em que se movem as classes confortáveis, por um lado, enquanto sua face voltada para a ralé que o recuo da maré ditatorial deixou na praia da ordem econômica que ela destravou de vez, se distingue pela intensificação de um tratamento paternalista-punitivo [24]. Se fôssemos rastrear esse arranjo social-punitivo não seria muito custoso atinar com sua matriz. Aliás custoso até que é, tal o fascínio que ainda exerce o invólucro desenvolvimentista no qual se embrulhou a Ditadura.
De volta ao foco no bloco civil-militar de 1964 que não se desfez — menos por uma compulsão atávica das corporações militares do que inépcia das elites civis na gestão da fratura nacional, consolidada por uma transição infindável, sem periodicamente entrar em pânico diante de qualquer manifestação mais assertiva de desobediência civil, como uma greve de petroleiros ou de controladores de vôo — a democracia meramente eleitoral em que resvalamos, continua Zaverucha, se perpetua girando em falso, círculo vicioso alimentado pela ansiedade das camadas proprietárias, pois ainda não estão plenamente convencidas, como nunca estarão, de que o tratamento de choque da Ditadura apagou até a memória de que um dia houve inconformismo de verdade no país.
3.
Ao inaugurar seu primeiro mandato anunciando que encerraria de vez a Era Vargas, o professor Fernando Henrique Cardoso deveria saber pelo menos que estava arrombando uma porta aberta. Pois foi exatamente esta a missão histórica que a Ditadura se impôs, inclusive na acepção propriamente militar do termo “missão”. Erraram o alvo em agosto de 1954; reincidiram em novembro de 1955; deram outro bote em 1961, para finalmente embocar em 1964, arrematando o que a ciência social dos colegas do futuro presidente batizaria de “colapso do populismo”.
Aliás foi esse — dar o troco ao getulismo — o mandato tácito e premonitório que a endinheirada oligarquia paulista delegara à Universidade de São Paulo, por ocasião da sua fundação em 1934. No que concerne à Faculdade de Filosofia, entretanto, a encomenda não vingou. Pelo contrário, muito à revelia, nela prosperou uma visão do país decididamente antioligárquica, desviante da Moderação Conservadora, e que Antonio Candido chamaria de “radical”, redefinida como um certo inconformismo de classe média, nascido do flanco esquerdo da Revolução de 30, para se reapresentar encorpado, depois da vitória da aliança anti-fascista na Segunda Grande Guerra, na forma de uma “consciência dramática do subdesenvolvimento” a ser superado com ou sem ruptura, conforme as variações da conjuntura e das convicções predominantes, ora de classe ou mais largamente nacionais, e cujo ímpeto transformador foi precisamente o que se tratou de esmagar e erradicar em 1964. Quiseram no entanto as reviravoltas do destino que aquele antigo voto piedoso fosse enviesadamente atendido, quem diria, pelo que havia de mais avançado na sociologia de corte uspiano, que passou a atribuir o sucesso acachapante do Golpe à inconsistência de uma entidade f_ditadura24fantasmagórica chamada Populismo. Só recentemente este mito começou a ser desmontado, e redescoberto um passado de grande mobilização social das “pessoas comuns”, trabalhadores surpreendentemente sem cabresto à frente [25]. É bom insistir: foi justamente a capacidade política de organização daquelas “pessoas comuns” o alvo primordial do arrastão aterrorizante que recobriu o país a partir de 1964. E o continente. Num estudo notável, Greg Grandin, recuou essa data para 1954, marcando-a com a deposição de Jacobo Arbenz na Guatemala, estendendo a ação dissolvente do Terror Branco, desencadeado desde então, no tempo e espaço latino-americano, até os derradeiros genocídios na América Central insurgente dos anos 80. A seu ver, ao longo de mais de três décadas de Contra-Revolução — é este o nome — no continente, perseguiu-se de fato um só objetivo: extinguir “o poder formativo da política enquanto dimensão primordial do encaminhamento das expectativas humanas”. A Guerra Fria latino-americana (se fizermos questão de manter a nomenclatura consagrada) girou basicamente em torno desse eixo emancipador. [26]
Como falei em Contra-Revolução é preciso sustentar a nota. Começo por uma evocação. Até onde sei, uma das raras vozes na massa pragmático-progressista na ciência social uspiana a não se conformar com o fato consumado na transição pactuada com os vencedores, mas sobretudo a contrariar a ficção da democracia consolidada, foi a de Florestan Fernandes. Trinta anos depois do golpe, ainda teimava em dizer que a Ditadura, como constelação mais abrangente do bloco civil-militar que a sustentara, definitivamente não se dissolvera no Brasil. O que se pode constatar ainda relendo sua derradeira reflexão a respeito, enviada ao Seminário organizado por Caio Navarro de Toledo [27]. Não estou desenterrando esta opinião dissonante apenas para registrar a dissidência ilustre que nos precedeu na resposta à pergunta O que resta da Ditadura? É que sua visão daquela novíssima figura da exceção — nos termos de nossa problematização de agora — segundo o paradigma da Contra-Revolução Preventiva (aliás, quanto à terminologia mais adequada, é bom lembrar que os próprios generais golpistas nunca se enganaram a respeito) entronca numa respeitável, porém soterrada pelo esquecimento, tradição explicativa da guerra social no século passado, que uma hora próxima interessará ressuscitar, quanto mais não seja por vincular a normalidade de agora à brasa dormida do Terror Branco que varreu a América Latina por 3 décadas, como se acabou de sugerir. Refiro-me — apenas para registrar — ao estudo pioneiro de Arno Mayer, Dinâmica da contra-revolução na Europa (1870-1956) [28]. Relembro a propósito que um ano depois, em 1972, Marcuse publicava um livro com o título Contra-revolução e revolta [29], cujas páginas de abertura, escritas no rescaldo repressivo na virada dos 60 para os anos 70, principiam evocando a nova centralidade da tortura na América Latina (Pinochet e a Junta Argentina ainda não haviam entrado em cena …), as novas leis de exceção na Itália e na Alemanha, para assinalar então o paradoxo de uma contra-revolução se desenrolando a todo vapor na ausência de qualquer revolução recente ou em perspectiva. Enigma logo explicado quando começaram a pipocar as revoluções, em Portugal, no Irã, na Nicarágua etc. Está claro que Marcuse sonhava alto: sendo largamente preventiva, a contra-revolução em curso antecipava a ameaça de uma ruptura histórica cuja precondição dependia da interrupção do continuum repressivo que irmanava, na concorrência, o socialismo real ao progressismo capitalista, já que só assim a esquerda poderia se desvencilhar do fetichismo das forças produtivas.
f_ditadura25Retomando o fio. Arno Mayer estava sobretudo interessado em descartar o conceito encobridor de Totalitarismo, bem como o que chamava de eufemismo da “Guerra Fria”, cuja função era escamotear o verdadeiro conflito em curso no mundo desde que as “Potências” vitoriosas na Primeira Guerra Mundial formaram uma outra Santa Aliança sob liderança americana para esmagar a revolução européia iniciada em 1917 e que nos anos 20 já assumira as proporções de uma Guerra Civil Mundial em que se confrontavam Revolução e Contra-Revolução, para além da mera rivalidade de sistemas em disputa por uma supremacia imaginária [30]. Pois bem: a tese inovadora de Greg Grandin mencionada acima está ancorada nesta visão cujos possíveis limites não são por certo os do estereótipo. Sobretudo o clichê que costuma colocar na vasta conta da Guerra Fria e seu efeito colateral mistificador dito “guerra suja” o complexo social-punitivo que se consolidou com a generalização do estado de exceção contemporâneo na segunda metade do século XX latino-americano [31]. Concedendo o que deve ser concedido a essa fantasia de contenção ou concorrência letal entre capitalismo e comunismo, a Longa Guerra social Latino-americana, como seria mais correto dizer, em lugar de afirmar que a Guerra Fria fez isto ou aquilo neste ou naquele país, foi sim uma fase mais ampla e intensificada daquela Guerra Civil Mundial, devendo portanto ser entendida como Revolução e Contra-Revolução. Sabemos quem venceu e como. A pálida sombra de democracia que hoje passa por tal em nosso continente, segundo Grandin, é o real legado do Terror contra revolucionário e como Greg escrevia no auge do Projeto para um Novo Século Americano, não pode deixar de observar: a definição de democracia que hoje se vende mundo afora como a melhor arma na Guerra contra o Terror é ela mesma um produto do Terror. Estudando os casos do Chile e da Nicarágua, William Robinson chega a uma conclusão análoga quanto à “baixa intensidade” dessas democracias pós-terror contra-revolucionário [32]. No capítulo argentino de seu livro O estado militar na América Latina [33], Alain Rouquié, por sua vez, esbarra na mesma perplexidade a que aludimos várias vezes ao longo do presente inventário de violações e patologias positivadas: a violência sem precedentes históricos — e estamos falando da Argentina —, desencadeada pelo golpe de março de 1976, que o aproxima de uma verdadeira ruptura contra-revolucionária. Mesmo assim, como entender a persistência desse verdadeiro Golpe de Estado Permanente cuja máquina de matar continua a todo vapor mesmo depois da guerrilha ter sido militarmente anulada? Ainda mais espantoso, prossegue Rouquié, é menos a dimensão terrorista contra-revolucionária dessa última metamorfose da violência policial-militar do que a convivência sem maiores états d’âme da classe política tradicional com a demência assassina do aparelho repressivo.
OPERAÇÃO/FAVELA/RIOPortanto tem lá sua graça meio sinistra que os ideólogos do regime dito trivialmente neoliberal acenassem com o espantalho do populismo econômico dos… militares para implantar reformas desenhadas nada mais nada menos do que pela engenharia anti-Vargas do estado de exceção fabricado nos laboratórios do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), por Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões (1964-1967). Assim, começando pelo fim, ao contrário da opinião corrente tanto à direita quanto à esquerda (esquerda biograficamente falando), a celebrada Lei de Responsabilidade Fiscal — criminalizante para os entes subnacionais, “excepcionando” porém a União no que tange principalmente o serviço da dívida pública —, longe de iniciar uma nova fase das finanças públicas brasileiras, simplesmente arremata um processo iniciado pela ditadura nos anos 70, como se demonstra no breve e fulminante estudo de Gilberto Bercovici sobre a persistência do direito administrativo gerado pela tabula rasa do Golpe [34]. Do Banco Central ao Código Tributário, passando pela Reforma Administrativa de 1967, a Constituição de 1988 incorporou todo o aparelho estatal estruturado sob a Ditadura. É preciso voltar a lembrar também que o discurso da Ditadura era o da ortodoxia econômica, que o mesmo Estado delinqüente, cujos agentes executavam uma política de matança seletiva, se declarava, nas constituições outorgadas, meramente subsidiário da iniciativa privada, e que assim sendo as estatais deveriam operar não só com a eficiência das empresas privadas mas também com total autonomia em relação ao governo “oficial”, mas não em relação ao sorvedouro dos negócios privados. Vem da Ditadura a consagração da lógica empresarial como prática administrativa do setor público. A única inovação da celebrada Reforma Gerencial do Estado foi “trazer como novidade o que já estava previsto na legislação brasileira desde 1967”. Até as agências reguladoras — cuja captura é perseguida por todo tipo de formações econômicas literalmente fora da lei, numa hora de flexibilização jurídico-administrativa totalmente ad hoc, o que vem a ser a lógica mesmo da exceção — podem ser surpreendidas em seu nascedouro, o decreto-lei 200/1967, editado com base nos poderes excepcionais conferido pelo Ato Institucional nº 4.
Restauração “neoliberal” do governo de exceção por decretos administrativos? Seria trocar uma mistificação ideológica — o presumido verdadeiro fim da Era Vargas — por uma equívoco conceitual: como não houve interrupção, da Lei de Anistia ao contragolpe preventivo Collor/Mídia, passando pelo engodo de massas das Diretas, a idéia de uma Restauração não se aplica. “Neoliberal”, além de ser uma denominação oca para a reconfiguração mundial do capitalismo, dá a entender coisa pior, que a Ditadura, tudo somado, teria sido “desenvolvimentista”. Acrescentando assim, à vitória da Contra-Revolução, uma capitulação ainda mais insidiosa: do primeiro golpe, afinal, nos refizemos, à medida em que a carapaça autoritária foi se tornando um estorvo até para o big business; quando nos preparávamos para o reencontro — democrático é claro, apesar de todas as pactuações — com o nosso destino de desenvolvimento e catching up, veio um segundo golpe, se possível mais letal, pois neoliberalismo e “desmanche” são equivalentes, já que em contraste, a Ditadura não deixou de “institucionalizar”… É bom esfregar os olhos, pois a mesma narrativa prossegue: também nos recuperamos do golpe neoliberal, cuja substância terminou de derreter sob o sol da última crise, tudo somado novamente, reatamos com a normalidade dos nossos índices históricos de crescimento etc. O que foi f_ditadura23contrabandeado nesse rodeio todo — percorrido no sentido anti-horário da esquerda, digamos, histórica — é que no fundo a Ditadura foi um ato de violência contornável e cuja brutalidade se devia muito mais ao cenário de histeria da Guerra Fria. Com ou sem golpe, a modernização desenvolvimentista cedo ou tarde entraria em colapso, de sorte que a rigor o regime militar nada mais foi do que o derradeiro espasmo autoritário de um ciclo histórico que se encerraria de qualquer modo mais adiante, e não o tratamento de choque que partiu ao meio o tempo social brasileiro, contaminando pela raiz o que viria depois. Seria o caso de observar que o giro argumentativo evocado acima é ele mesmo um flagrante sintoma da sociedade “bloqueada” que a Grande Violência do século XX brasileiro nos legou: no referido reconto, refeito ora com a mão esquerda ora com a mão direita, o trauma econômico simplesmente desapareceu, ele também [35]. E quando aflora, assume invariavelmente a forma brutal da idiotia política costumeira. Por exemplo, toda vez que um sábio levanta a voz para dizer que o país carece urgentemente de um “choque de capitalismo” — e logo numa ex-colônia que nasceu sob o jugo absoluto de um nexo econômico exclusivo.
NOTAS DE RODA-PÉ
[17] Ver Jorge Zaverucha, FHC, forças armadas e polícia (Rio de Janeiro: Record, 2005). E mais particularmente, sua contribuição para este volume “Relações civil-militares: o legado autoritário na Constituição brasileira de 1988”. No que segue, acompanho de perto o seu modelo explicativo, extrapolando um pouco na maneira de conceituar os resultados de suas análises.
[18] Cf. Dalmo de Abreu Dallari “O Estado de Direito segundo Fernando Henrique Cardoso”, revista praga nº3 (São Paulo: HUCITEC, 1997)
[19] Sigo em parte a recapitulação de Giorgio Agamben, Estado de exceção (São Paulo: Boitempo, 2004).
[20] Clinton Rossiter, Constitutional Dictatorship: Crisis Government in the Modern Democracies (1948), apud Agamben, op.cit. p.22.
[21] Cf., por exemplo, Juan Méndez, Guillermo O’Donnell e Paulo Sérgio Pinheiro (orgs.), Democracia, violência e injustiça: o Não-Estado de Direito na América Latina (São Paulo: Paz e Terra, 2000). Há um tanto de inocência nesta caracterização. A começar pelo lapso tremendo — quando se pensa na consolidação da impunidade dos torturadores e “desaparecedores” — que consiste em expressar sincera frustração causada pela quebra da expectativa de que “a proteção dos direitos humanos obtidas para os dissidentes políticos no final do regime autoritário seria estendida a todos os cidadãos”. De sorte que sob a democracia ainda prevalece um sistema de práticas autoritárias herdadas, seja por legado histórico de longa duração ou sobrevivência socialmente implantada no período anterior e não elimináveis por mera vontade política. Resta a dúvida: o que vem a ser um processo de consolidação democrática “dualizado” pela enésima vez em dois campos, um “positivo”, outro “negativo”. O autor cuja deixa aproveitamos, diria que a persistência da aliança com as instituições coercitivas asseguram aos integrantes do campo positivo um hedge face aos riscos futuros implicados numa tal assimetria entre os “direitos” dos primeiros e o “destino” desafortunado dos que circulam entre os campos negativos. Dúvida que também acossa os autores da referida obra coletiva: até quando democracias sem cidadania plena para a massa pulverizada das não-elites? O que vem a ser “um Estado de Direito que pune preferencialmente os pobres e os marginalizados”? Na gramática dos Direitos Humanos, como se costuma dizer, só pode ser erro de sintaxe.
[22] Franz Neumann, Béhémoth: structure et pratique du national-socialisme (Paris: Payot, 1987). Ver a respeito o excelente capítulo de William Scheuerman, Between the Norm and the Exception (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1994, cap.5). Embora reveladora, não se tratava de uma circunstância trivialmente excepcional, como voltou a sugerir o mesmo William Scheuerman, agora a propósito da dinâmica mundializada da acumulação: a cultuada afinidade eletiva entre o capitalismo moderno e the rule of law, que Weber enunciara como uma cláusula pétrea, talvez tenha sido não mais que um efêmero entrecruzamento histórico. Cf.William Scheuerman, Liberal Democracy and the Social Acceleration of Time (Baltimore: John Hopkins U.P., 2004, pp. 151-158).
[23] Estou empregando abusivamente — et pour cause — uma expressão original, até onde sei, de Jacques Rancière, La haine de la démocratie (Paris: La Fabrique, 2005). Não posso me estender a respeito, mas desconfio que o argumento geral do livro nos incluiria no pelotão dos inconformados com o presumido escândalo libertário da Democracia. E por isso mesmo teimaríamos na absurda convicção de que “o conteúdo real de nossa democracia reside no ‘estado de exceção’” (p.23). Daí a necessária correção de tamanho disparate: não vivemos em campos de concentração submetidos às leis de exceção de um governo biopolítico etc, pelo contrário, num Estado de Direito, só que “oligárquico”. Quer dizer num Estado em que a pressão das oligarquias — de resto, como sabemos desde Robert Mitchels, a oligarquização é uma tendência inerente a toda forma de poder organizado — vem a ser justamente limitada pelo duplo reconhecimento da soberania popular e das liberdades individuais (cf. p.81). Nos dias que correm, impossível discordar de um tal programa garantista. E no entanto, para início de conversa, as derrogações emergenciais do Direito, que vão configurando a exceção jurídica contemporânea, são cada vez mais a regra. A bem dizer, toda norma, mesmo constitucional, contém algo como uma cláusula suspensiva. Numa palavra, mesmo nesse exemplar Estado europeu de Direito, porém oligárquico, o Direito está perdendo o monopólio da regulação (cf.François Ost, Le temps du droit, Paris, Odile Jacob, 1999, cap IV). Como me pareceria um igual e simétrico disparate suspeitar desse jurista, aliás belga, de ódio enrustido e ressentido da democracia, observo que o indigitado Agamben não está dizendo coisa muito diferente desse diagnóstico do “estado de urgência” em que ingressamos com a absorção do direito pelo imperativo gestionário. E o curioso é que Rancière também não, quando reflete sobre as patologias da democracia consensual. Pois então: a “exceção” normalizada de agora se confunde, desde seu renascimento histórico, com a ampliação dos poderes governamentais desencadeada durante a Primeira Guerra Mundial, mesmo entre os não-beligerantes, como a Suíça, com a quebra da “hierarquia entre lei e regulamento, que é a base das constituições democráticas, delegando ao governo um poder legislativo que deveria ser competência exclusiva do Parlamento” (Agamben, op.cit. p.19).
[24] Para esta caracterização do novo Estado “dual”, ver, por exemplo, entre tantos outros, Loïc Wacquant, Punir os pobres (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001). Um Estado de Direito tão punitivo quanto o regime que o precedeu, ou engendrou, funciona como uma polícia de fronteira, no caso a fronteira mesma do direito, que deixa de sê-lo quando atravessado por uma divisória apartando amigos e inimigos. Para um estudo recente do funcionamento desse Estado “bifurcado” na periferia da cidade de São Paulo, ver Gabriel de Santis Feltran, “A fronteira do direito: política e violência na periferia de São Paulo”, artigo posteriormente incorporado em sua tese de doutoramento, Fronteiras de Tensão, Unicamp, 2008.
[25] Cf. Jorge Ferreira, (org.), O populismo e sua história (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, em particular, Daniel Aarão Reis Filho, “O colapso do colapso do populismo”. E ainda do mesmo Jorge Ferreira, O imaginário trabalhista (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005).
[26] Cf. Greg Grandin, The Last Colonial Massacre: Latin –America in the Cold War (Chicago: Chicado UP, 2004)
[27] Cf. Caio Navarro de Toledo (org.), 1964: Visões críticas do golpe (Campinas: Edunicamp 1997)
[28] Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977; edição norte-americana de 1971.
[29] Tradução francesa de 1973 pela Editora Seuil.
[30] Para a genealogia da expressão Guerra Civil Européia, e depois, Mundial, ver Luciano Canfora, A democracia: história de uma ideologia (Lisboa: Edições 70, 2007, cap.XII).
[31] O constructo Guerra Fria já foi desmontado, por exemplo, entre outros, por Mary Kaldor The Imaginary War (Cambridge: Blackwell, 1990) e Noam Chomsky, Contendo a democracia (Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2003).
[32] Cf. Willian Robinson, Promoting Poliarchy (Cambridge, UP, 1996).
[33] São Paulo: Alfa Omega, 1984. pp 325-326
[34] Gilberto Bercovici, “ ‘O direito constitucional passa, o direito administrativo permanece’: a persistência da estrutura administrativa de 1967”. Ver ainda Gilberto Bercovici e Luiz Fernando Massonetto, “A constituição dirigente invertida: a blindagem da constituição financeira e a agonia da constituição econômica”, Boletim de Ciências Econômicas, vol.XLIX, Coimbra, Universidade de Coimbra, 2006.
[35] A idéia de uma sociedade assombrada por um grande “bloqueio”, reforçado pelos mais diversos mecanismos de denegação e banalização dos conflitos, pode ser rastreada nos escritos recentes de Maria Rita Kehl e Vladimir Safatle. É deste último a fórmula e argumento de que a monstruosa profecia nazi da violência sem trauma acabou se cumprindo neste quarto de século de normalidade brasileira restaurada. Cf. do autor “A profecia da violência sem traumas”, OESP, 06.07.2008, p.D-6, a propósito do filme Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald, que a seu ver desenterraram a “metáfora exata desse bloqueio”.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Blog da reforma agrária já está no ar - http://www.reformaagraria.blog.br

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=28716

Blog da reforma agrária já está no ar
18/março/2010 19:07
reprodução
O Conversa Afiada reproduz texto do Blog do Miro, Altamiro Borges:
quinta-feira, 18 de março de 2010
Blog da reforma agrária já está no ar
Estreou nesta quinta-feira, dia18, o blog da rede de comunicadores em apoio à reforma agrária e contra a criminalização dos movimentos sociais. Está foi uma das decisões da reunião de montagem da rede, que ocorreu na semana passada na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e que teve a presença de cerca de 100 pessoas, entre jornalistas, radialistas, blogueiros, estudantes e radiodifusores comunitários.
Um dos objetivos editoriais do blog é acompanhar os trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), instalada no final do ano passado por imposição da bancada ruralista que visa criminalizar os lutam por terra no país. A nova página também servirá para divulgar experiências bem sucedidas de reforma agrária, de assentamentos rurais e de agricultura familiar, que a mídia privada omite. Ela terá sessões fixas, como o raio-x do latifúndio, impactos do agronegócio, quem apóia a reforma agrária, entre outras.
Esse é o endereço do blog da reforma agrária:

http://www.reformaagraria.blog.br/
http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/conheca-o-blog-em-defesa-da-reforma-agraria

Conheça o blog em defesa da Reforma Agrária

Por Rodrigo Vianna
De O Escrevinhador

A Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária -  formada a partir da iniciativa de um grupo de jornalistas, que assinaram manifesto para denunciar a ofensiva dos setores conservadoresque defendem o latifúndio -  lança um blog para acompanhar a chamada CPMI do MST e o processo de criminalização dos movimentos sociais.

O blog pretende também apresentar experiências que demonstram como os assentamentos têm um papel fundamental para o desenvolvimento do país, além de um raio-x da situação do campo, dos impactos do agronegócio para os trabalhadores rurais e para a produção de alimentos.

O endereço do blog é http://www.reformaagraria.blog.br/  .

Para aderir à rede de comunicadores, entre no blog e faça o seu cadastro. Contribua mandando textos, informações e denúncias do seu estado.

Abaixo, leia o manifesto e saiba quem faz parte da Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária

MANIFESTO

Está em curso uma ofensiva conservadora no Brasil contra a reforma agrária, e contra qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda. E você não precisa concordar com tudo que o MST faz para compreender o que está em jogo.

Uma campanha orquestrada foi iniciada por setores da chamada “grande imprensa brasileira” – associados a interesses de latifundiários, grileiros - e parcelas do Poder Judiciário. E chegou rapidamente ao Congresso Nacional, onde uma CPMI foi aberta com o objetivo de constranger aqueles que lutam pela reforma agrária.

A imagem de um trator a derrubar laranjais no interior paulista, numa fazenda grilada, roubada da União, correu o país no fim do ano passado, numa ofensiva organizada. Agricultores miseráveis foram presos, humilhados. Seriam os responsáveis pelo "grave atentado". A polícia trabalhou rápido, produzindo um espetáculo que foi parar nas telas da TV e nas páginas dos jornais. O recado parece ser: quem defende reforma agrária é "bandido", é "marginal". Exemplo claro de “criminalização” dos movimentos sociais.

Quem comanda essa campanha tem dois objetivos: impedir que o governo federal estabeleça novos parâmetros para a reforma agrária (depois de três décadas, o governo planeja rever os “índices de produtividade” que ajudam a determinar quando uma fazenda pode ser desapropriada); e “provar” que os que derrubaram pés de laranja são responsáveis pela “violência no campo”.

Trata-se de grave distorção.

Comparando, seria como se, na África do Sul do Apartheid, um manifestante negro atirasse uma pedra contra a vitrine de uma loja onde só brancos podiam entrar. A mídia sul-africana iniciaria então uma campanha para provar que a fonte de toda a violência não era o regime racista, mas o pobre manifestante que atirou a pedra.

No Brasil, é nesse pé que estamos: a violência no campo não é resultado de injustiças históricas que fortaleceram o latifúndio, mas é causada por quem luta para reduzir essas injustiças. Não faz o menor sentido...

A violência no campo tem um nome: latifúndio. Mas isso você dificilmente vai ver na TV. A violência e a impunidade no campo podem ser traduzidas em números: mais de 1500 agricultores foram assassinados nos últimos 25 anos. Detalhe: levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que dois terços dos homicídios no campo nem chegam a ser investigados. Mandantes (normalmente grandes fazendeiros) e seus pistoleiros permanecem impunes.

Uma coisa é certa: a reforma agrária interessa ao Brasil. Interessa a todo o povo brasileiro, aos movimentos sociais do campo, aos trabalhadores rurais e ao MST. A reforma agrária interessa também aos que se envergonham com os acampamentos de lona na beira das estradas brasileiras: ali, vive gente expulsa da terra, sem um canto para plantar - nesse país imenso e rico, mas ainda dominado pelo latifúndio.

A reforma agrária interessa, ainda, a quem percebe que a violência urbana se explica – em parte – pelo deslocamento desorganizado de populações que são expulsas da terra e obrigadas a viver em condições medievais, nas periferias das grandes cidades.

Por isso, repetimos: independente de concordarmos ou não com determinadas ações daqueles que vivem anos e anos embaixo da lona preta na beira de estradas, estamos em um momento decisivo e precisamos defender a reforma agrária.

Se você é um democrata, talvez já tenha percebido que os ataques coordenados contra o MST fazem parte de uma ofensiva maior contra qualquer entidade ou cidadão que lutem por democracia e por um Brasil mais justo.

Venha refletir com a gente:

- por que tanto ódio contra quem pede, simplesmente, que a terra seja dividida?

- como reagir a essa campanha infame no Congresso e na mídia?

- como travar a batalha da comunicação, para defender a reforma agrária no Brasil?

É o convite que fazemos a você.

Assinam:

- Alcimir do Carmo.

- Altamiro Borges.

- Ana Facundes.

- André de Oliveira.

- André Freire.

- Antonio Biondi.

- Antonio Martins.

- Bia Barbosa.

- Breno Altman.

- Conceição Lemes.

- Cristina Charão.

- Cristovão Feil.

- Danilo Cerqueira César.

- Dênis de Moraes.

- Emiliano José.

- Emir Sader.

- Flávio Aguiar.

- Gilberto Maringoni.

- Giuseppe Cocco.

- Hamilton Octavio de Souza.

- Henrique Cortez.

- Igor Fuser.

- Jerry Alexandre de Oliveira.

- Joaquim Palhares.

- João Brant.

- João Franzin.

- Jonas Valente.

- Jorge Pereira Filho.

- José Arbex Jr.

- José Augusto Camargo.

- José Carlos Torves.

- José Reinaldo de Carvalho.

- José Roberto Mello.

- Ladislau Dowbor.

- Laurindo Lalo Leal Filho.

- Leonardo Sakamoto.

- Lilian Parise.

- Lúcia Rodrigues.

- Luiz Carlos Azenha.

- Márcia Nestardo.

- Marcia Quintanilha.

- Maria Luisa Franco Busse.

- Mario Augusto Jacobskind.

- Miriyám Hess.

- Nilza Iraci.

- Otávio Nagoya.

- Paulo Lima.

- Paulo Zocchi.

- Pedro Pomar.

- Rachel Moreno.

- Raul Pont.

- Renata Mielli.

- Renato Rovai.

- Rita Casaro.

- Rita Freire.

- Rodrigo Savazoni.

- Rodrigo Vianna.

- Rose Nogueira.

- Rubens Corvetto.

- Sandra Mariano.

- Sérgio Caldieri.

- Sérgio Gomes.

- Sérgio Murilo de Andrade.

- Soraya Misleh.

- Tatiana Merlino.

- Terezinha Vicente.

- Vânia Alves.

- Venício A. de Lima.

- Verena Glass.

- Vito Giannotti.

- Wagner Nabuco.

terça-feira, 16 de março de 2010

1964, o ano que não terminou…

http://passapalavra.info/?p=20293

1964, o ano que não terminou… (Parte 1)

16 de Março de 2010

Confiram a primeira parte do artigo “1964, o ano que não terminou’, de
Paulo Arantes, texto que integrará a coletânea O quê resta da ditadura – a
exceção brasileira (de Edson Teles e Vladimir Safatle), a ser lançado
nesta quinta-feira (18/03) na USP. Por Paulo Arantes.

Conforme já noticiamos aqui, nesta quinta-feira (18/03) ocorrerá
o lançamento do livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira [Edson
Teles e Vladimir Safatle (orgs), Boitempo Editorial, SP, 2010]. Os debates
deste dia estão sendo chamados para o Auditório da Faculdade de História
da USP, e se darão em torno de dois temas centrais: às 17hs, “Por que a
verdade precisa de uma comissão?”, com o autor Edson Teles, o jurista
Fábio Konder Comparato e a cientista política Glenda Mezarobba; e às
19h30, o tema “Políticas da verdade e da memória”, com ministro Paulo
Vanucchi, o autor Vladimir Safatle e o professor de história da filosofia
Paulo Arantes.

Em nossa opinião, tais debates e a própria publicação será uma importante
oportunidade para a esquerda retomar dois temas fundamentais que ela não
deveria nunca ter deixado de ter em vista criticamente: a verdadeira
profundidade do golpe civil-militar brasileiro de 1964, bem como a
possível extensão de um verdadeiro estado de sítio permanente mesmo após a
chamada “redemocratização”.

Esta é a temática desenvolvida pelo professor de história da filosofia da
USP e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Paulo Eduardo
Arantes, no ensaio intitulado “1964, o ano que não terminou…”. O Passa
Palavra publica a partir de hoje a primeira parte deste artigo, que
constará na coletânea de Edson Teles e Vladimir Safatle acima referida. Na
semana que vem, depois de lançado o livro, poderemos publicar o restante
do artigo para dar continuidade à reflexão.

1964, O ANO QUE NÃO TERMINOU… [*]

Paulo Eduardo Arantes

1.

Tudo somado, o que resta afinal da Ditadura? Na resposta francamente
atravessada do psicanalista Tales Ab’Sáber, simplesmente tudo. Tudo menos
a Ditadura, é claro. [1] Demasia retórica? Erro crasso de visão histórica?
Poderia até ser, tudo isto e muito mais. Porém nem tanto. Pelo menos a
julgar pelo último lapso, ou melhor, tropeço deliberado, mal disfarçado
recado a quem interessar possa: refiro-me ao editorial da Folha de São
Paulo, de 17 de fevereiro de 2009, o tal da “ditabranda”. Não é tão
simples assim atinar com as razões daquele escorregão com cara de
pronunciamento preventivo, sobretudo por ser mais do que previsível que o
incidente despertaria a curiosidade pelo passado colaboracionista do
jornal, tão incontroversamente documentado que as pessoas esqueceram, até
mesmo da composição civil e militar daquele bloco histórico da crueldade
social que se abateu sobre o país em 1964. E como atesta o indigitado
editorial, aunque el diabo esté dormido, a lo mejor se despierta. Quanto à
descarada alegação de brandura: só nos primeiro meses de comedimento foram
50.000 presos. [2] Em julho de 1964, “os cárceres já gritavam”. [3]

O fato é que ainda não acusamos suficientemente o Golpe. Pelo
menos não o acusamos na sua medida certa, a presença continuada de uma
ruptura irreversível de época. Acabamos de evocar a brasa dormida de um
passo histórico, os vasos comunicantes que se instalam desde a primeira
hora entre o mundo dos negócios e os subterrâneos da repressão. Quando o
então ministro Delfim Netto organiza um almoço de banqueiros no palacete
do Clube São Paulo, antiga residência de Da. Viridiana Prado, durante o
qual o dono do Banco Mercantil passou o chapéu, recebendo em média 110 mil
dólares per capita para reforçar o caixa da OBAN. Não se trata de uma
vaquinha, por assim dizer, lógica, inerente aos trâmites da acumulação em
um momento de transe nacional, em que os operadores de turno puxam pela
corda patriótica de empresários que por sua vez estão pedindo para se
deixar amedrontar. [4] Esperteza ou não — afinal a Ditadura detinha todas
as chaves do cofre —, o fato é que se transpôs um limiar ao se trazer
assim, pelas mãos de um Ministro de Estado, os donos do dinheiro para o
reino clandestino da sala de tortura: este o passo histórico que uma vez
dado não admite mais retorno, assim como não se pode desinventar as armas
nucleares que tornaram a humanidade potencialmente redundante. Ruptura ou
conseqüência? Questão menor, diante da metástase do poder punitivo que
principiara a moldar a Exceção Brasileira que então madrugava.

Francisco Campos costumava dizer que governar é mandar prender.
Para encurtar, digamos que a partir de 1935, com a intensificação da caça
aos comunistas e demais desviantes, essa escola de governo incorporou o
alicate do Dr. Filinto Müller e seus derivados. Já a deportação de Olga
Benário discrepa do período anterior — no qual predominava a figura do
anarquista expatriado — antecipando os seqüestros da Operação Condor.
Todavia, um caso ainda muito especial, como se sabe. Até mesmo as cadeias
em que se apodrecia até à morte — como a colônia correcional de Ilha
Grande, que, a um Graciliano Ramos atônito, foi apresentada como um lugar
no qual se ingressa, não para ser corrigido, mas para morrer — tampouco
anuncia uma Casa da Morte, como a de Petrópolis e similares espalhadas
pelo país e Cone Sul. Basta o enunciado macabro das analogias para se ter
a visão histórica direta da abissal diferença de época. [5] O calafrio de
Graciliano, ao se deparar com um espaço onde “não há direito, nenhum
direito” — como é solenemente informado por seu carcereiro — ainda é o de
um preso político ocasional ao se defrontar (em pé de igualdade?) com o
limbo jurídico em que vegetam apagados seus colegas “de direito comum”.
Como se sabe, aquela situação se reapresentaria menos de 40 anos depois.
Como a Ditadura precisava ocultar a existência de presos políticos, os
sobreviventes eram formalmente condenados como assaltantes de banco e,
como tal, submetidos ao mesmo vácuo jurídico da ralé carcerária, exilada
nesses lugares por assim dizer fora da Constituição. Mas já não se tratava
mais do mesmo encontro de classe face ao “nenhum direito”, ou desencontro
histórico, como sugere o filme de Lúcia Murat Quase dois irmãos.

O corte de 64 mudaria de vez a lógica da exceção, tanto no
hemisfério da ordem política quanto dos ilegalismos do povo miúdo e
descartável. O Golpe avançara o derradeiro sinal com a entrada em cena de
uma nova “fúria” — para nos atermos ao mais espantoso de tudo, embora não
se possa graduar a escala do horror: a entrada em cena do “poder
desaparecedor”, na fórmula não sei se original de Pilar Calveiro. [6]
Depois de mandar prender, mandar desaparecer como política de Estado, e
tudo que isso exigia: esquadrões, casas e vôos da morte. Essa nova figura
— o desaparecimento forçado de pessoas — desnorteou os primeiros
observadores. A rigor, até hoje. Ainda no início dos anos 80, um Paul
Virilio perplexo se referia às ditaduras do Cone Sul como o laboratório de
um novo tipo de sociedade, a “sociedade do desaparecimento”, onde os
corpos agora, além do mais — e sabemos tudo o que este “mais” significa —,
precisam desaparecer, quem sabe, o efeito paradoxal do estado de
hiper-exposição em que se passava a viver. [7]

Digamos que ao torná-lo permanente, exercendo-o durante 20 anos, nem mesmo
os principais operadores do regime se deram conta de que o velho estado de
sítio concebido pela ansiedade ditatorial dos liberais, ao fim e ao cabo
já não era mais o mesmo. Aliás, desde o início, a exceção se instalara
noutra dimensão, verdadeiramente inédita e moderna, a partir do momento em
que “o corpo passa a ser algo fundamental para a ação do regime” e a
câmara de tortura se configura “como a exceção política originária na qual
a vida exposta ao terrorismo de Estado vem a ser incluída no ordenamento
social e político”, na redescrição dos vínculos nada triviais entre
ditadura e exceção retomada ultimamente por Edson Teles, confrontado com o
acintoso recrudescimento do poder punitivo na democracia parida, ou
abortada, pela Ditadura. [8] A seu ver, a Ditadura por assim dizer
localizou o topos indecidível da exceção, a um tempo dentro e fora do
ordenamento jurídico, tanto na sala de tortura quanto no desaparecimento
forçado, marcado também, este último, por uma espécie de não-lugar
absoluto. Estes os dois pilares de uma sociedade do desaparecimento. A Era
da Impunidade que irrompeu desde então pode ser uma evidência de que esta
tecnologia de poder e governo também não pode mais ser desinventada. Seja
como for, algo se rompeu para sempre quando a brutalidade rotineira da
dominação, pontuada pela compulsão da caserna, foi repentinamente
substituída pelo Terror de um Estado delinqüente de proporções inauditas.
A tal ponto que até Hobsbawm parece não saber direito em qual dos extremos
do seu breve século XX incluir este último círculo latino-americano de
carnificinas políticas, no qual não hesitou em reconhecer a “era mais
sombria de tortura e contra-terror da história do Ocidente”. [9]

Outro disparate? Desta vez cometido pela velha esquerda em
pessoa? Não seja por isto. À luz dos seus próprios critérios
civilizacionais, um padrão evolutivo foi irrecuperavelmente quebrado pelas
elites condominiadas em 1964. Mesmo para padrões brasileiros de
civilização, pode-se dizer que a Ditadura abriu as portas para uma
reversão na qual Norbert Elias poderia quem sabe identificar o que chamou
por vezes de verdadeiro processo descivilizador. Segundo o historiador
Luiz Felipe de Alencastro, um tal padrão, herdado do despotismo
esclarecido pombalino, pressupunha algo como o espraiamento, prudentemente
progressivo, dos melhoramentos e franquias da vida moderna, a princípio
reservados à burocracia estatal e às oligarquias concernidas, ao conjunto
das populações inorgânicas a serem assim “civilizadas” pela sua elite.
Pois até este processo civilizador não previsto por Norbert Elias — o
monopólio da violência pacificadora são outros quinhentos nessas paragens
— deu marcha a ré, ou se preferirmos, engendrou “um monstrengo nunca
visto”. [10] Pensando bem, menos reversão do que consumação desse mesmo
processo de difusão das Luzes, como vaticina a profecia maligna de
Porfírio Diaz, no final de Terra em Transe: “Aprenderão, aprenderão, hei
de fazer deste lugar uma Civilização, pela força, pelo amor da força, pela
harmonia universal dos infernos”. Segundo o mesmo Luis Felipe, havia
paradoxalmente algo de “revolucionário” naquela ultrapassagem bárbara de
si mesmo. À vista portanto não só daquele lapso editorial e de uma dúzia
de outros pronunciamentos de mesmo quilate, pode-se dizer que os objetivos
de guerra da Ditadura foram plenamente alcançados, diante do quê, entrou
em recesso. A Abertura foi na verdade uma contenção continuada. Acresce
que além de abrandada, a Ditadura começou também a encolher. Pelas novas
lentes revisionistas, a dita cuja só teria sido deflagrada para valer em
dezembro de 1968, com o AI-5 — retardada, ao que parece, por motivo de
“efervescência” cultural tolerada — e encerrada precocemente em agosto de
1979, graças à auto-absolvição dos implicados em toda a cadeia de comando
da matança. [11] O que vem por aí? Negacionismo à brasileira? Quem sabe
alguma variante local do esquema tortuoso de Ernst Nolte, que desencadeou
o debate dos historiadores alemães nos anos 80 acerca dos Campos da Morte.
Por essa via, a paranóia exterminista da Ditadura ainda será
reinterpretada como o efeito do pânico preventivo disparado pela marcha
apavorante de um Gulag vindo em nossa direção. Não é elocubração ociosa: a
doutrina argentina dos “dois demônios”, por exemplo, que se consolidou no
período Alfonsin, passou por perto. [12]

Vítimas da polícia na democracia

Nessas condições, pode-se até entender o juízo aparentemente descalibrado
de Tales Ab’Sáber como uma espécie de contraveneno premonitório, e que
tenha, assim, estendido até onde a vista alcança a fratura histórica na
origem do novo tempo brasileiro, cuja unidade de medida viria a ser 1964,
o verdadeiro ano que de fato não terminou. Um tempo morto, esse em que a
Ditadura não acaba nunca de passar. É assim que Tales interpreta a agonia
do poeta, jornalista e conselheiro político Paulo Martins, que emenda o
fecho na abertura de Terra em transe: uma “queda infinita do personagem no
branco e no vazio final que nunca acaba”. O mundo começou a cair no Brasil
em 1964 e continuou “caindo para sempre”, salvo para quem se iludiu
enquanto despencava. [13] Será preciso alertar logo de saída? Como nunca
se sabe até onde a cegueira chegou, não custa repetir: está claro que tudo
já passou, que nossa terra não está mais em “transe”, por mais estranha
(quase na acepção freudiana do termo) que pareça a normalidade de hoje.
Ainda segundo Tales, tão estranha quanto a fantasia neurotizante que nos
governa, a saber: ora é fato que a guerra acabou como assegura a lei
celerada da anistia, ora não acabou nem nunca acabará, pois é preciso
derrotar de novo e sempre o ressentimento histórico dos vencidos, para não
mencionar ainda as demais figurações do inimigo, no limite, a própria
nação, que precisa ser protegida contra si mesma. [14] A guerra acabou, a
guerra não acabou: tanto faz, como no caso da chaleira de Freud, de
qualquer modo devolvida com o enorme buraco que a referida fantasia nem
mesmo cuida de encobrir. O que importa é que um pólo remeta ao outro,
configurando o que se poderia chamar de limiar permanente, sobre o qual
pairam tutela e ameaça intercambiáveis.

Minha reconstituição da paradoxal certeza histórica de um psicanalista
talvez pareça menos arbitrária recorrendo ao raciocínio do historiador
Paulo Cunha acerca do contraponto entre Moderação e Aniquilamento, que
percorre a formação da nacionalidade desde os seus primórdios. [15] A
guerra acabou, quer dizer (deve entrar de uma vez na cabeça dos
recalcitrantes): violações zeradas (na lei ou na marra), reconciliação
consolidada (novamente consentida ou extorquida). Mas a guerra não acabou,
de novo que se entenda: é preciso anular a vontade do inimigo de continuar
na guerra, e anular até o seu colapso. Clausewitz dixit. Pois bem:
historicamente, Moderação é a senha de admissão ao círculo do poder real,
cujo conservadorismo de nascença — progresso, modernização, etc, são
melhoramentos inerentes, porém intermitentes, ao núcleo material do mando
proprietário — exige provas irretorquíveis de confiabilidade absoluta dos
que batem à sua porta. Assim, sempre que as elites de turno de
reconciliam, uma lei não escrita espera dos pactários – na acepção
política rosiana do termo [16] — demonstrações inequívocas de convicções
moderadas. Para que não haja dúvida do alcance deste pacto fundador, basta
um olhar de relance para as patéticas contorções dos dois últimos
presidentes do país. Em suma, refratários de qualquer procedência serão
recusados. Novamente para que não haja dúvidas: aos eventuais
sobreviventes de tendências contrárias à
Moderação/Conciliação/
Consolidação das Instituições etc, acena-se com o
espectro do supracitado Aniquilamento, cuja eventualidade estratégica
sempre paira no ar, que o digam a Guerra de Canudos e a Guerrilha do
Araguaia. Também por este prisma não se pode dizer sem mais que a fantasia
de Tales não seja exata.

O ENSAIO ESTÁ PUBLICADO INTEGRALMENTE NA COLETÂNEA O QUE RESTA DA
DITADURA: A EXCEÇÃO BRASILEIRA [Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs),
Boitempo Editorial, 2010, NO PRELO]. DEPOIS DE SEU LANÇAMENTO OFICIAL,
COMPARTILHAREMOS AQUI SUA VERSÃO NA ÍNTEGRA.

NOTAS DE RODA-PÉ

[*] Mesmo correndo o risco de double emploi, achei que viria ao caso
lastrear minha resposta à pergunta O que resta da Ditadura? com material
colhido na contribuição de autores reunidos no presente volume.

[1] “Brasil, a ausência significante política”, neste volume.

[2] No levantamento de Maria Helena Moreira Alves, Estado e oposição no
Brasil (1964-1984) (Petrópolis: Vozes, 1985). Ver ainda Martha Huggins,
Polícia e política (São Paulo: Cortez 1998; ed. inglesa, 1988) e Janaina
Almeida Teles, Os herdeiros da memória: a luta dos familiares de mortos e
desaparecidos políticos no Brasil (USP FFLCH: 2005).

[3] Ver o capítulo de Elio Gaspari, “O mito do fragor da hora”, A ditadura
envergonhada (São Paulo: Cia. das Letras, 2002). Segundo o autor, desde o
começo do governo Castelo Branco, a tortura já era “o molho dos
inquéritos”. Martha Huggins também identifica nos primeiros arrastões
puxados pelo Golpe a evidente metamorfose da “polícia política”. Cf.
op.cit. cap.7.

[4] Ver Elio Gaspari, A ditadura escancarada (São Paulo: Cia. da Letras,
2002, pp. 62-64). Para um estudo da normalização da patologia empresarial
do período, o documentadíssimo filme de Chaim Litewski, Cidadão Boilesen,
apresentado em março de 2009 na mostra É tudo verdade.

[5] Episódio das Memórias do Cárcere, recentemente evocado por Fábio
Konder Comparato, no Prefácio à segunda edição do Dossiê Ditadura: mortos
e desaparecidos políticos no Brasil, 1964-1985 (São Paulo: IEVE/Imprensa
Oficial, 2009).

[6] Poder y desaparición: los campos de concentración en Argentina (Buenos
Aires: Colihue, 1998). Sua autora, Pilar Calveiro, “ficou desaparecida” –
a expressão é essa mesma – durante um ano e meio em vários campos da morte
na Argentina. Para um breve comentário, Beatriz Sarlo, Tempo passado:
cultura da memória e guinada subjetiva (São Paulo: Cia. das Letras, 2007,
pp. 80-89).

[7] Paul Virilio, Sylvere Lotringer, Guerra pura: a militarização do
cotidiano (São Paulo: Brasiliense, 1984, pp. 85-87).

[8] Edson Luis de Almeida Teles, Brasil e África do Sul: os paradoxos da
democracia (São Paulo: USP FFLCH, 2006, cap.2).

[9] Eric Hobsbawm, A era dos extremos (São Paulo: Cia. das Letras, 1995,
p.433).

[10] Luis Felipe de Alencastro, “1964: por quem dobram os sinos?”,
publicado originalmente na FSP, 20.05.94, incluído no livro organizado por
Janaina Teles, Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade?
(São Paulo: Humanitas, 2ª ed. 2001). Para o argumento original, do mesmo
autor, “O fardo dos bacharéis” (Novos Estudos, CEBRAP, nº19, 1987).

[11] Marco Antonio Villa, “Ditadura à brasileira”, FSP, 05.03.2009, p.A-3.
Sem dúvida, a História é o inventário das diferenças, como queria Paul
Veyne, porém na mesma medida em que souber reconhecer o Mesmo no Outro.
Sem o quê, sequer saberemos quem somos ao despertar. Mas talvez seja este
mesmo o Desejo do qual os lacanianos insistem que uma sociedade derrotada
como a nossa cedeu. A sintaxe pode ser arrevesada, mas o juízo não. Cf.
por exemplo, Maria Rita Kehl, O tempo e o cão: a atualidade das depressões
(São Paulo: Boitempo, 2009).

[12] Ver a respeito, Luis Roniger e Mario Sznajder, O legado das violações
dos direitos humanos no Cone Sul (São Paulo: Perspectiva, 2004, pp.
278-281).

[13] A verdadeira desordem no tempo brasileiro provocada pelo buraco negro
de 1964 me parece constituir o nervo das reflexões de Ismail Xavier acerca
da constelação formada por Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal.
Cf. por exemplo Alegorias do subdesenvolvimento (São Paulo: Brasiliense,
1993). Com sorte, espero rever essa mesma desordem brasileira do tempo
pelo prisma da Exceção. Por enquanto, apenas uma Introdução. Um outro
ponto cego decorrente desta mesma matriz, me parece contaminar a
expectativa de que a Ditadura terminará enfim de passar quando o último
carrasco for julgado. Fica também para um outro passo este pressentimento
gêmeo acerca das ciladas do imperativo Nunca Mais que a Ditadura nos
impôs. Para um sinal de que não estou inventando um falso problema,
veja-se as observações de Jeanne Marie Gagnebin acerca da famosa
reformulação adorniana do imperativo categórico – direcionar agir e pensar
de tal forma que Auschwitz não se repita. Curioso imperativo moral,
nascido da violência histórica e não de uma escolha livre. Cf. “O que
significa elaborar o passado”, Lembrar escrever esquecer (São Paulo: ed.
34, 2006, pp.99-100). Pensando numa lista longa que continua se alongando,
de Srebrenica a Jenin, arremata Jeanne Marie, fica difícil evitar o
sentimento de que o novo imperativo categórico não foi cumprido, enquanto
“as ruínas continuam crescendo até o céu”.

[14] Conforme advertência recente do Gal. Luiz Cesário da Silveira Filho,
despedindo-se do Comando Militar do Leste com um discurso exaltando o
golpe, ao qual se referiu como “memorável acontecimento”. Com efeito. FSP
12.03.2009, p.A-9.

[15] Paulo Ribeiro da Cunha, “Militares e anistia no Brasil: um dueto
desarmônico”, neste volume.

[16] Da perspectiva em que Willi Bolle estudou o Grande Sertão: Veredas –
as metamorfoses do sistema jagunço como um regime de exceção permanente –
as Constituições do país sempre foram antes de tudo um Pacto, não sendo
muito difícil adivinhar quem leva a parte do diabo. Cf. Willi Bolle,
Grandesertão.br (São Paulo: ed. 34, 2004)

domingo, 14 de março de 2010

O Verdadeiro Golpe que nunca terminou?


http://passapalavra.info/?p=20176

12 de Março de 2010  
Nos próximos dias, duas iniciativas – um Sábado Resistente (13/03) e o lançamento do livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira (18/03), serão ocasiões privilegiadas para a esquerda brasileira discutir a continuidade de um verdadeiro estado de sítio permanente pós-redemocratização. Por Passa Palavra

Nos próximos dias ocorrerão dois importantes debates que têm tudo para dar relevantes contribuições à reflexão sobre um tema central para a teoria e para a prática da chamada “esquerda” brasileira. “Esquerda” aqui, bem entendida, em sentido amplo do termo: que remete a toda uma tradição histórica dos oprimidos e das oprimidas, não necessariamente auto-denominadas como sendo pessoas “de esquerda”. Autodenominação afinal que, nos últimos tempos, como tantas outras denominações, pouco ou quase nada têm ajudado a discernir verdadeiramente quem é quem.

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Pois então: o primeiro dos debates ocorrerá neste sábado (13/03), a partir das 14hs no Memorial da Resistência da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Mais um da série “Sábados Resistentes”, desta vez com a seguinte temática: “As reformas de base do pré-1964 e a sua atualidade”. Relembrando os 46 anos do histórico “Comício da Central do Brasil” (13/03/1964), em que Jango [João Goulart] anunciara importantes avanços das reformas de base propostas por seu governo, atiçando assim ainda mais os ânimos da ultradireita brasileira, fazendo-a acelerar na sequência o golpe civil-militar. Com o objetivo de discutir aquele contexto e “a sua atualidade”, na mesa estarão debatendo João Vicente Goulart – filho do ex-presidente deposto e depois estranhamente morto, Jango; o jornalista e ex-preso político Ivan Seixas; o ferroviário e ex-preso político Roberto Martinelli; e a historiadora Maria Aparecida Aquino. O debate também será transmitido ao vivo na internet, pela VIATV, numa parceria desta com o Núcleo de Preservação da Memória Política, o quê possibilitará às pessoas de outras cidades acompanharem direto e levantarem suas questões ao debate.

Na próxima semana, mais precisamente na quinta-feira (18/03), ocorrerá o lançamento do livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira [Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs), Boitempo Editorial, SP, 2010, no prelo]. Os debates deste dia estão sendo chamados para o Auditório da Faculdade de História da USP, e se darão em torno de dois temas não menos centrais: às 17h00, “Por que a verdade precisa de uma comissão?”, com o autor Edson Teles, o jurista Fábio Konder Comparato e a cientista política Glenda Mezarobba; e às 19h30, o tema “Políticas da verdade e da memória”, com ministro Paulo Vanucchi, o autor Vladimir Safatle e o professor de história da filosofia Paulo Arantes.

Ferida brasileira da Exceção
Ora, não se trata aqui de mera divulgação de eventos (a qual, em certas circunstâncias, já poderia ser muito importante). As tais atividades, em seu conjunto, valem uma nota reflexiva porque poderão jogar luz (ou colocar o dedo) na principal ferida histórica brasileira contemporânea: a continuidade e a atualidade do terror - não apenas político - intensificado pela ofensiva autoritária civil-militar de 1964. Em muitas medidas, um estado de sítio vivíssimo até hoje. Se não pior hoje… Vejamos:

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Eis a tese defendida por um dos participantes destas mesas. O professor de história da filosofia da USP e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Paulo Arantes, desenvolve o argumento no ensaio “1964, o ano que não terminou” [presente na coletânea O que resta da ditadura: a exceção brasileira, Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs), Boitempo Editorial, SP, 2010, no prelo]. Na sua opinião, o verdadeiro “fio da meada” da exceção brasileira contemporânea é justamente a contra-revolução iniciada com o golpe civil-militar de 1964: a seu ver um fio “nunca rompido”.
Paulo Arantes que há poucos dias, em entrevista para a jornalista Tatiana Merlino, da revista Caros Amigos, a propósito de toda a reação conservadora recentemente desencadeada pelo simples anúncio do III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), localizou com mais precisão os dois pontos cruciais que, ao final das contas, estão em jogo para a Santa Aliança das elites brasileiras associadas ao verdadeiro imperialismo: “a grande propriedade e o poder punitivo encarregado de vigiá-la. Este último assumiu proporções exterministas a partir de 1964. Seus agentes continuam torturando e matando impunemente até hoje. Seletivamente é claro, de preferência, o povo miúdo e anônimo que rala do outro lado da linha que separa quem merece e quem não merece viver. A verdade verdadeira é que a União Sagrada desses setores, em torno de Deus, da Família, da Propriedade (e desde então, da Impunidade) nunca se desfez. Basta cutucar para a fera mostrar a cara. A procuradora Flávia Piovesan costuma falar em ‘continuísmo ditatorial’. Na origem deste drama interminável, a roubada trágica em que entraram as forças populares: sua pressão vitoriosa arrancou do ‘poder desaparecedor’, que estava saindo de cena, uma auto-anistia perene”.

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Ou seja: o tal “fio da meada” intensificado nestas últimas décadas da história brasileira estaria situado na defesa intransigente da grande propriedade, rural ou urbana, a qualquer custo penal e/ou punitivo que isto possa ter. Um “alto custo” pago, na forma da violência desmedida, principalmente pelos “rapazes comuns” das camadas mais pobres (e majoritariamente negras) da sociedade brasileira. Não à toa as origens de organizações como a ROTA e outros grupos de extermínio estatais ou paraestatais datam exatamente dos primeiros anos da ditadura civil-militar. E, se em determinado momento estes grupos se focaram violentamente no extermínio das resistências (inclusive armadas) contra a ditadura civil-militar, eles já atuavam antes e seguiram atuando depois contra outros setores pobres da classe trabalhadora brasileira.

Ecos de uma tese que se espraia
Enfim: uma tese importante e provocativa, no melhor sentido do termo, que precisa ser discutida em profundidade. Uma tese que, à sua maneira, coincide por outras vias com o diagnóstico negativo, em prosa e poesia, do escritor ex-preso político Alípio Freire. Ele que, em entrevista recente ao Correio da Cidadania, afirma: “E se nós não julgarmos os terroristas, isto é, os agentes do Estado e civis organizados pela ultradireita, que tinham uma relação promíscua com agentes do Estado, com comunicação com ministros, como a Falange Pátria Nova e o CCC, continuaremos tendo torturas em nosso país, como nas periferias de grandes cidades, no campo e suas chacinas rurais… Se lembrarmos que, em maio de 2006, cerca de 490 pessoas foram assassinadas em seis dias por agentes do Estado, sem mais nem menos, por vingança à ofensiva do PCC, é algo terrível. É quase a mesma quantidade de assassinados durante toda a ditadura! ”.

Alípio refere-se aqui aos Crimes de Maio de 2006, quando agentes do Estado de São Paulo associados a grupos de extermínio paraestatais, em uma suposta reação ao que foi chamado pela grande imprensa de “ataques do PCC” [abreviação de Primeiro Comando da Capital, entidade acusada de liderar presos e presas e coordenar ações criminosas], enfim, agentes estatais e paraestatais saíram atacando a esmo pelas periferias das grandes cidades do estado, vitimando sobretudo jovens negros e pobres. Tendo como saldo terrível, num período de cerca de 15 dias, mais de 500 assassinatos e/ou desaparecimentos – portanto mais mortos do que todas as vítimas fatais ao longo dos 20 anos de ditadura civil-militar. O Passa Palavra tratara do assunto em outras duas ocasiões: Mães de Maio da democracia brasileira e Do luto à luta: uma rede nacional de familiares de vítimas do estado?, entrevista com Débora Maria.

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São indícios de um diagnóstico comum que não só pode como deve apontar para ações concretas, por exemplo, de solidariedade efetiva entre os familiares, ex-presos e outras vítimas da ditadura civil-militar e as atuais vítimas e familiares de vítimas do Estado Brasileiro democrático (como as Mães de Maio, as Mães de Acari, as Mães de Vitória da Conquista etc). Apontar para a luta comum pela defesa de uma Comissão da Verdade e da Justiça que apure não somente os crimes de lesa-humanidade cometidos pelo regime ditatorial anterior, mas que estenda as investigações e as punições aos responsáveis pelo atual genocídio cometido contra a população pobre e negra. Uma comissão que, a exemplo de tantos outros países que realizaram uma efetiva Justiça de Transição, contribua para o desmonte total deste aparato repressivo criado em 1964 e, de certa maneira fundamental, em vigor até hoje.

Conforme escreve o próprio Alípio Freire noutra passagem, desta vez poética: “DA TRAGÉDIA / Nós sobrevivemos / ao pau-de-arara. / Mas o pau-de-arara / também sobreviveu.”. E conclui na entrevista anteriormente citada: “Portanto, esse objetivo não é só nosso, dos que querem esclarecer o passado. Até porque memória sem presente e nem futuro é nostalgia ou narcisismo. O que procuramos é exatamente saber no presente como se constrói um país e se transforma isso aqui num lugar decente. Como ampliar direitos e criar isonomia. Por isso é importante se reportar ao passado, como uma arma de luta”.

A “Era das Chacinas” e da Criminalização
Ora, rumando para o final deste texto-convite à reflexão: sabemos muito bem que o quadro atual não é nada animador… De um lado, as políticas de extermínio e de verdadeiro genocídio programado contra a população pobre e negra nas cidades; e de outro lado, a criminalização intensificada e a tentativa de aniquilação de movimentos sociais brasileiros, com destaque para a ofensiva brutal especificamente contra o MST: ambos movimentos, na verdade, duas faces da mesma moeda da emergência.

Este ano de 2010 marca também os 20 anos da Chacina de Acari. No Rio de Janeiro, um dos movimentos mais combativos que tem defendido tese semelhante a esta que está sendo discutida aqui, é a Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência. Num texto recentemente divulgado pela Rede, “20 Anos do Caso Acari: Não ao Esquecimento, Sim à Justiça!”, como parte das mobilizações relacionadas aos 20 anos da chacina, propõe-se um marco para o atual período histórico, bem descrito e nomeado pelo texto: “o Caso Acari também marcou, portanto, o início da época da impunidade escandalosa em casos de crimes cometidos pelo Estado brasileiro contra seus cidadãos, após o encerramento formal do regime ditatorial iniciado em 1964, e o suposto advento da democracia no país”.

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A “Era das Chacinas”, como eles nomearam o presente, pensando nas chacinas concentradas ou difusas do cotidiano da população pobre, negra, e dos movimentos sociais em plena democracia, está sendo marcada por uma série de massacres como o de Acari (1990), do Carandiru (1992), da Candelária e de Vigário Geral (1993), de Corumbiara (1995), de Eldorado dos Carajás (1996), da Praça da Sé e de Felisburgo (2004), da Baixada Fluminense (2005), os Crimes de Maio (2006), do Complexo do Alemão (2007), do Morro da Providência (2008), de Canabrava (2009) e de Vitória da Conquista (2010), entre muitos outros.
“Nunca na história deste país” precisaríamos tanto avançar na reconstrução radical da Verdade e da Justiça Históricas deste mesmo país, situando-a mundialmente. E parte fundamental dela talvez seja justamente que, muito mais do que mudanças democráticas e populares, estejamos vivendo profundas continuidades autoritárias e retrocessos antipopulares ao longo dos últimos 25 anos. Fora de dúvidas está que os nossos inimigos não têm cessado de vencer, e a montanha de corpos e ruínas provocadas pelo capitalismo beira os céus. Vamos encará-los todos?



ASSISTA AO DEBATE DO “SÁBADO RESISTENTE” (13/03, às 14hs) NO SEGUINTE SÍTIO: WWW.VIATV.COM.BR

Confira mais informações sobre os “Sábados Resistentes” no sítio do Núcleo de Preservação da Memória Política.

Confira mais informações sobre o livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira [Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs), Boitempo Editorial, SP, 2010, no prelo] e sobre o seu lançamento no sítio da Boitempo Editorial.

quinta-feira, 11 de março de 2010

HOJE: Rede de comunicadores em apoio à reforma agrária

Rede de comunicadores
em apoio à reforma agrária
Dia 11 de março, às 19 horas, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Rua Rego Freitas 530 – Sobreloja, reunião para montagem da “rede de comunicadores em apoio à reforma agrária e contra a criminalização dos movimentos sociais". Participe!
Manifesto:
Denuncie a ofensiva dos setores
conservadores contra a reforma agrária!
Está em curso uma ofensiva conservadora no Brasil contra a reforma agrária, e contra qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda. E você não precisa concordar com tudo que o MST faz para compreender o que está em jogo.
Uma campanha orquestrada foi iniciada por setores da chamada “grande imprensa brasileira” – associados a interesses de latifundiários, grileiros - e parcelas do Poder Judiciário. E chegou rapidamente ao Congresso Nacional, onde uma CPMI foi aberta com o objetivo de constranger aqueles que lutam pela reforma agrária.
A imagem de um trator a derrubar laranjais no interior paulista, numa fazenda grilada, roubada da União, correu o país no fim do ano passado, numa ofensiva organizada. Agricultores miseráveis foram presos, humilhados. Seriam os responsáveis pelo "grave atentado". A polícia trabalhou rápido, produzindo um espetáculo que foi parar nas telas da TV e nas páginas dos jornais. O recado parece ser: quem defende reforma agrária é "bandido", é "marginal". Exemplo claro de “criminalização” dos movimentos sociais.
Quem comanda essa campanha tem dois objetivos: impedir que o governo federal estabeleça novos parâmetros para a reforma agrária (depois de três décadas, o governo planeja rever os “índices de produtividade” que ajudam a determinar quando uma fazenda pode ser desapropriada); e “provar” que os que derrubaram pés de laranja são responsáveis pela “violência no campo”.
Trata-se de grave distorção.
Comparando, seria como se, na África do Sul do Apartheid, um manifestante negro atirasse uma pedra contra a vitrine de uma loja onde só brancos podiam entrar. A mídia sul-africana iniciaria então uma campanha para provar que a fonte de toda a violência não era o regime racista, mas o pobre manifestante que atirou a pedra.
No Brasil, é nesse pé que estamos: a violência no campo não é resultado de injustiças históricas que fortaleceram o latifúndio, mas é causada por quem luta para reduzir essas injustiças. Não faz o menor sentido...
A violência no campo tem um nome: latifúndio. Mas isso você dificilmente vai ver na TV. A violência e a impunidade no campo podem ser traduzidas em números: mais de 1500 agricultores foram assassinados nos últimos 25 anos. Detalhe: levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que dois terços dos homicídios no campo nem chegam a ser investigados. Mandantes (normalmente grandes fazendeiros) e seus pistoleiros permanecem impunes.
Uma coisa é certa: a reforma agrária interessa ao Brasil. Interessa a todo o povo brasileiro, aos movimentos sociais do campo, aos trabalhadores rurais e ao MST. A reforma agrária interessa também aos que se envergonham com os acampamentos de lona na beira das estradas brasileiras: ali, vive gente expulsa da terra, sem um canto para plantar - nesse país imenso e rico, mas ainda dominado pelo latifúndio.
A reforma agrária interessa, ainda, a quem percebe que a violência urbana se explica – em parte – pelo deslocamento desorganizado de populações que são expulsas da terra e obrigadas a viver em condições medievais, nas periferias das grandes cidades.
Por isso, repetimos: independente de concordarmos ou não com determinadas ações daqueles que vivem anos e anos embaixo da lona preta na beira de estradas, estamos em um momento decisivo e precisamos defender a reforma agrária.
Se você é um democrata, talvez já tenha percebido que os ataques coordenados contra o MST fazem parte de uma ofensiva maior contra qualquer entidade ou cidadão que lutem por democracia e por um Brasil mais justo.
Se você pensa assim, compareça ao Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no próximo dia 11 de março, e venha refletir com a gente:
- por que tanto ódio contra quem pede, simplesmente, que a terra seja dividida?
- como reagir a essa campanha infame no Congresso e na mídia?
- como travar a batalha da comunicação, para defender a reforma agrária no Brasil?
É o convite que fazemos a você.
Assinam:
- Altamiro Borges.
- Antonio Biondi.
- Antonio Martins.
- Bia Barbosa.
- Cristina Charão.
- Dênis de Moraes.
- Giuseppe Cocco.
- Hamilton Octavio de Souza.
- Igor Fuser.
- Joaquim Palhares.
- João Brant.
- João Franzin.
- Jonas Valente.
- Jorge Pereira Filho.
- José Arbex Jr.
- José Augusto Camargo.
- Laurindo Lalo Leal Filho
- Luiz Carlos Azenha.
- Renata Mielli.
- Renato Rovai.
- Rita Casaro.
- Rodrigo Savazoni.
- Rodrigo Vianna.
- Sérgio Gomes.
- Vânia Alves.
- Verena Glass.
- Vito Giannotti.
Importante: A proposta é que a rede de comunicadores em apoio à reforma agrária tenha caráter nacional. Esse evento de São Paulo é apenas o início deste processo. Promova lançamentos também em seu estado, participe e convide outros comunicadores para aderirem à rede.